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Comunicação e juventude indígena: defesa do território na era digital 18zv

Por Samsara Nukini e Ila Verus www.iacre.org.br 1b3n32

A comunicação sempre foi essencial para o desenvolvimento das sociedades, especialmente na transmissão de saberes e na manutenção das culturas. Os povos indígenas têm a comunicação tradicionalmente presente na oralidade, por meio das histórias, cantos e rituais, mas também nos grafismos, tecelegam, cestarias e outras artes. Com o advento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e da ampliação no o à Internet, a comunicação tornou-se um instrumento importante para a luta indígena. Após séculos de silenciamento, os indígenas — especialmente a juventude dos territórios e das cidades — utilizam desse espaço virtual, que é público, para contrapor narrativas, mostrar as lutas dos povos e cobrar políticas públicas eficazes e eficientes. Esse meio digital também conecta territórios, amplifica as vozes das lideranças e fortalece a resistência quando os direitos indígenas estão ameaçados.

No estado do Acre, um grupo de jovens comunicadores dos povos Huni Kuĩ, Nukini, Manxineru, Puyanawa, Yawanawa, Apurinã e Shanenawa, das Terras Indígenas (TIs) Nukini, Mamoadate, Puyanawa, Rio Gregório, Katukina/Kaxinawá, Kaxinawá da Praia do Carapanã e Kaxinawá do Rio Jordão, se reuniu em 2023 para formar a Rede de Comunicadores Indígenas do Acre (RCI-AC). Por meio das mídias sociais, a RCI-AC pauta temas focados na territorialidade, no protagonismo da juventude e na cultura e espiritualidade.

Todos os anos, no Acampamento Terra Livre (ATL), juventudes indígenas de várias partes do país trocam conhecimentos e técnicas de comunicação para realizar a cobertura colaborativa do evento, que é organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) junto com as organizações de base. Neste ano, o ATL está sendo realizado de 6 a 11 de abril, e mais uma vez a presença dos comunicadores e das comunicadoras indígenas, junto com outros profissionais da imprensa, divulgam para o Brasil e para o mundo este importante encontro de povos e suas principais pautas.

Além de acompanhar as pautas e as mobilizações indígenas locais e nacionais, os jovens comunicadores registram o dia a dia nas aldeias: estão presentes quando são realizadas reuniões com lideranças e toda comunidade, animando outros jovens a participarem das discussões; registram ações coletivas como os plantios de roçados e construções de viveiros e acompanham as atividades de proteção territorial, para citar alguns exemplos.

Na Terra Indígena Mamoadate, localizada no município de Assis Brasil que fica na fronteira com o Peru, os três jovens comunicadores se revezam para participar das expedições de monitoramento territorial, registrando invasões, e a aproximação dos indígenas em isolamento (parentes desconfiados) das aldeias. Em 2024, esse trabalho foi importante para mostrar a grave situação de eminente contato com os indígenas Mascho Piru na aldeia Extrema, quando ocorreu o primeiro saque de isolados em uma residência. As imagens com depoimentos das lideranças Manxineru e da casa revirada, com pegadas e vestígios da presença dos isolados na aldeia, repercutiram nos principais veículos da imprensa acreana e nacionalmente, mobilizando órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e garantindo visibilidade necessária para a proteção dos isolados e dos Manxineru.

Além da relação entre comunicação e proteção territorial, a RCI-AC também vem atuando na cobertura da crise climática nas terras indígenas. Nos últimos anos a Rede tem documentado por meio de vídeos e fotos, os impactos das inundações, da seca severa e do fogo nas aldeias, não apenas durante os eventos extremos, mas também as medidas de adaptação encabeçadas pelas comunidades. Os registros sobre a perda de roçados, a mortandade de peixes e os incêndios florestais são importantes para documentar as consequências da crise climática nas comunidades da floresta e cobrar políticas de adaptação.

Grupo de monitoramento territorial e comunicadores da TI Mamoadate (foto: Joengrydy Manchineru)rupo deGrupo de monitoramento territorial e comunicadores da TI Mamoadate (foto: Joengrydy Manchineru)Comunicador Maru Huni Kuĩ, da TI Kaxinawá do Rio Jordão. (foto: Ila Verus/ I-Acre)
Gravação do podcast Vozes da Floresta no laboratório do curso de Jornalismo da UFAC. (foto: Ila Verus/I-Acre)Joengrydy Manchineru, na gravação do podcast Vozes da Floresta (foto: Ila Verus/I-Acre)Conteúdos produzidos por comunicadores valorizam cultura e demandas das aldeias.Júnior Manxineru, durante prática de entrevista no CFPF (foto: Ila Verus)
A comunicação indígena é uma ferramenta poderosa de resistência e afirmação cultural. “Hoje a Rede de Comunicadores Indígenas do Acre significa para mim a minha maior voz. É uma parte da minha vida. Porque nela a gente consegue expressar o que o nosso território precisa. O que o governo cala, a gente consegue falar. A gente consegue ter essa liberdade na rede dos comunicadores. Eu, enquanto rede, me sinto uma grande ferramenta dentro do meu território. Comunicação é para ajudar, para fortalecer. Não só pensando nas coisas ruins. O território não é só luta e resistência; também é cultura, é vivência, é respeito. E é muito bom quando a gente tem uma comunicação respeitosa, que mostra para o mundo o que a gente gosta de fazer, de comer, a riqueza dos nossos alimentos, por exemplo. A comunicação é a nossa ferramenta de resistência. Ela me transformou. Se eu pudesse colocar em palavras o sentimento que a comunicação traz para mim, eu diria que é algo inexplicável.Para mim, comunicação é como política: não dá para viver sem” – Samsara Nukini

A formação de comunicadores indígenas é uma iniciativa desenvolvida pela Comissão Pró-Indígenas do Acre (I-Acre) e o curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre (UFAC) desde 2021. Anualmente são realizadas oficinas presenciais onde os jovens aprendem na prática sobre produção de conteúdos para as redes sociais e rádio, linguagem audiovisual, fotojornalismo, designer e engajamento.

Ao todo foram realizadas cinco oficinas no Centro de Formação dos Povos da Floresta (CFPF), em Rio Branco, além das formações que aconteceram em parceria com o Comitê Chico Mendes. Nas oficinas os jovens criaram o podcast “Vozes da Floresta”, que já está no seu quinto episódio no Spotify. A cada encontro são introduzidas novas práticas e técnicas que dialogam com as demandas dos jovens e buscam fortalecer culturas, como por exemplo, na criação de conteúdos na língua indígena. Em 2024, a 5ª Oficina de Comunidades Indígenas trabalhou especialmente com incidência política e comunicação estratégica. Isso tudo também têm contribuído com a formação de novas liderança. No no ano ado integrantes da RCI-AC participaram de eventos nacionais como o Acampamento Terra Livre (Brasília), o G20 Social (Rio de Janeiro) e a Conferência Climática Regional de Juventudes LatinoAmericanas (RCOY), no Pará, além de audiências públicas no Congresso Nacional.

Apoiar redes de comunicação popular como a RCI-AC é um o a mais na garantia de direitos. A comunicação indígena veio para ficar – e continuará evoluindo como um instrumento de transformação social. Como diz o líder, filósofo e escritor Ailton Krenak, os indígenas já estão vivendo o fim do mundo há muito tempo, e nesse cenário, contar histórias e reafirmar a singularidade dos povos indígenas se torna um ato de sobrevivência.

Edmilson Ferreira
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Edmilson Ferreira

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