Uma expedição com 40 participantes à Estação Ecológica (Esec) Rio Acre organiza dados sobre a qualidade ambiental da floresta, utilizando os protocolos do Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade (Monitora).
O Monitora é um programa desenvolvido por técnicos do Instituto Chico Mendes (ICMBio), com o objetivo de gerar informações qualificadas sobre o estado da biodiversidade nas unidades de conservação e os serviços ecossistêmicos a elas associados. Iniciado em 2017, está presente em 125 unidades de conservação federais, abrangendo diferentes biomas brasileiros. Sua principal característica é a adoção de técnicas simples e de baixo custo, priorizando a participação de atores locais.
Na Estação Ecológica Rio Acre, no sudoeste do estado, o componente florestal do programa é desenvolvido por meio do registro de mamíferos, aves, borboletas e plantas — espécies consideradas bioindicadoras da qualidade da floresta. Além dos protocolos básicos, que são simplificados e de baixo custo, é possível executar protocolos avançados, que exigem equipamentos mais caros ou o apoio de especialistas em determinados grupos. No caso desta expedição, estão sendo implementados protocolos avançados para todos os grupos monitorados.
Borboletas
A bióloga e técnica ambiental do ICMBio, Muriele Furtado de Assis, é uma das participantes da expedição. Ela coordena o protocolo de borboletas frugívoras. A coleta utiliza uma isca caseira à base de banana e caldo de cana. Cada indivíduo capturado é classificado numa tribo de borboletas, fotografado, marcado com um pincel e depois restituído ao ambiente natural.
“Classificamos em dois grupos: as tribos que preferem áreas abertas e as que vivem em florestas fechadas”, explica. “Se, ao longo do tempo, armos a registrar a predominância de borboletas que vivem em áreas abertas, isso pode indicar que a floresta está sofrendo algum processo de degradação.” A posterior identificação das espécies, a partir das fotografias, configura o protocolo avançado de borboletas.
Mamíferos e aves
Um censo de mamíferos e aves também faz parte da expedição. A equipe sai da base nos primeiros raios de sol e percorre cinco quilômetros em os lentos e absoluto silêncio. Durante o trajeto, registrava todos os mamíferos de médio e grande porte e aves terrícolas que encontrem pelo caminho.
Esse protocolo tem como monitor Jorgimar Costa dos Santos, um dos mateiros da expedição. Nascido em Brasiléia (AC), município vizinho da unidade, ele conta que frequenta as florestas da região desde menino. Conhece várias das espécies que ocorrem na unidade e partilha de seus âmbitos. “Para encontrar os bichos dentro da floresta, uso sempre os ouvidos, só depois começo a procurar com os olhos”, ensina.
A possibilidade de contar com a participação de pessoas como Jorgimar, sem formação científica formal, é um dos pontos fortes da metodologia adotada pelo Monitora desde o início: aliar simplicidade a baixo custo. Isso facilita a adoção dos protocolos em diversas unidades de conservação, dentro e fora do ICMBio, e permite a inclusão da população local nas atividades.
O protocolo avançado para mamíferos e aves é o método TEAM (sigla em inglês para Avaliação e Monitoramento da Ecologia Tropical), que consiste na instalação de 60 armadilhas fotográficas para captar a presença de vertebrados. O coordenador desse protocolo é Elildo Carvalho Junior, analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (CENAP/ICMBio).
Segundo ele, conhecendo a abundância de mamíferos na área, é possível aferir a qualidade ambiental da floresta. “Afinal, muitas dessas espécies predam e dispersam sementes, influenciando fortemente a biodiversidade e os estoques de carbono”, explica. “Não sabemos o quanto a ausência delas pode prejudicar a floresta. É como a analogia do avião, que tem vários parafusos e rebites. Se um rebite se soltar, ele continua voando. A perda de um segundo rebite também não o impede de voar. Mas nunca se sabe qual será o último rebite cuja perda comprometerá todo o sistema”.
Plantas
O biólogo Marcelo Lima Reis, da Coordenação de Monitoramento da Biodiversidade (COMOB/ICMBio), participa da expedição implantando o protocolo básico de plantas, que fornecerá dados para medir a biomassa e o desenvolvimento da floresta ao longo do tempo. “Conhecendo a biomassa, poderemos estimar a quantidade de carbono que essa floresta pode armazenar”, afirma.
A área amostral desse protocolo é conhecida como “cruz de malta”, com quatro subunidades de 20 m x 50 m, voltadas para os quatro pontos cardeais (norte, sul, leste e oeste). Nessas parcelas, será realizado um censo de todas as espécies arbóreas ou arborescentes (árvores, cipós e palmeiras) com mais de 31 cm de circunferência. “A cada cinco anos, voltamos para medir quanto se desenvolveram ou se sofreram algum processo de degradação.” Essa metodologia também é adotada pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB/MMA) no programa Inventário Florestal Nacional. “Assim, podemos colaborar com a geração mútua de dados entre as duas instituições”, acrescenta.
O protocolo avançado de plantas, realizado pela primeira vez na unidade durante esta expedição, é executado em parceria com equipes de biólogos e parabotânicos escaladores dos Jardins Botânicos do Rio de Janeiro (JBRJ) e de Nova Iorque (NYBG). A função deles é coletar amostras de plantas e levá-las ao herbário para um minucioso processo de identificação das espécies. “Família e gênero da planta podem ser identificados ainda na floresta, mas determinar a espécie específica exige a participação de especialistas — e esse processo pode levar até um ano”, explica a botânica Rafaela Forzza, servidora do JBRJ cedida ao ICMBio.
Segundo Rafaela, muitos gêneros de árvores são compostos por diversas espécies. É o caso do ipê, por exemplo, que conta com 10 a 15 espécies diferentes na Amazônia. “Distinguir esses gêneros por espécies ajuda a equilibrar a exploração, quando esta é permitida em áreas de manejo sustentável”, afirma.
Próximos os
A chefe da Esec Rio Acre, Malu Zambom, comemora os resultados da expedição. Diz que tudo ocorreu conforme o planejado, apesar das dificuldades logísticas para transportar e acomodar os 40 participantes nas duas bases construídas na unidade — entre pesquisadores, servidores, voluntários, barqueiros, agentes temporários ambientais (ATAs) e mateiros.
Ela destaca o engajamento da equipe de organização, especialmente dos ATAs, que conhecem profundamente a região. Eles dominam a navegação pelo rio e sabem, como poucos, se orientar na floresta.
Zambom aguarda os resultados das avaliações do Monitora, que, segundo ela, são fundamentais para a melhoria da gestão. Consequentemente, ajudam a Esec a cumprir seu objetivo, que, conforme definido em seu decreto de criação, é proteger as cabeceiras do rio Acre. O rio é a principal via de transporte de pessoas e mercadorias na região, além de ser a principal fonte de água para a capital do estado, Rio Branco.
À frente da unidade há menos de um ano, Malu afirma que ainda se surpreende com a biodiversidade do local. “Estar em contato com tantas espécies é uma memória que vou sempre carregar comigo”, conclui.
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