O Estado do Acre deu início, nesta semana, à programação do Encontro Anual da GCF Task Force (Força-Tarefa de Governadores para o Clima e Florestas), recebendo autoridades internacionais, lideranças ambientais e representantes de governos subnacionais para uma imersão em projetos de conservação e desenvolvimento sustentável.
Com destaque para visitas à Casa de Chico Mendes, em Xapuri, e à Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre (Cooperacre), a agenda no interior nesta quarta-feira, 21, foi marcada por um intercâmbio de experiências e práticas de combate às mudanças climáticas.
O estadunidense Daniel Melling, diretor de marketing e comunicação da organização sem fins lucrativos CTrees, com sede em Los Angeles, Califórnia, participou da visita à Casa de Chico Mendes, em Xapuri, e afirmou ter sido uma experiência marcante. “Foi a primeira vez que ouvi a história de Chico Mendes, e isso me tocou profundamente. Eu trabalho com justiça ambiental em Los Angeles, apoiando ativistas e outras ONGs. Então, foi muito poderoso vir ao Acre e conhecer de perto essa trajetória de luta e resistência”, relatou.
O diretor destacou, ainda, a importância de ver, in loco, as iniciativas que ajudam a manter a floresta em pé. “Nossa organização usa dados de satélite, inteligência artificial e aprendizado de máquina para mapear florestas e calcular carbono em ecossistemas naturais. Mas nada substitui o contato direto com as comunidades e com as florestas tropicais. Ver o que está sendo feito aqui no Acre nos ajuda a pensar como países como os Estados Unidos podem contribuir mais. E, claro, eu adorei o povo, a comida, a música e a hospitalidade. Foi uma experiência muito especial”, afirmou Daniel.
Memória viva da floresta
A primeira parada da comitiva internacional foi em Xapuri, berço da luta do líder seringueiro Chico Mendes. A casa onde ele viveu, tombada como patrimônio histórico estadual e federal, ainda preserva objetos pessoais e móveis originais, sendo hoje um memorial da causa socioambiental.
A pequena casa azul, localizada na rua Batista de Moraes, 487, no Centro da cidade, foi o local onde Chico Mendes organizava os “empates”, manifestações em defesa da floresta e das populações extrativistas, enfrentando madeireiros e grileiros. Sua trajetória levou à criação das primeiras reservas extrativistas do Brasil.
A Voz da Floresta
Raimundo Mendes de Barros, o Raimundão, primo de Chico Mendes e morador há mais de 45 anos do Seringal Floresta, expressou a emoção de compartilhar a trajetória do líder seringueiro com participantes da GCF vindos de diversas partes do mundo. “Apresentar a história de Chico não é só contar uma história. É relatar um fato verdadeiro, de uma dimensão extraordinária. Chico foi um seringueiro diferente. Nasceu com o dom da sabedoria, da coragem e do respeito. Foi um ser humano que merece ser venerado pelo mundo inteiro”, afirmou.
Para Raimundão, visitar a casa onde Chico viveu é uma forma de manter viva a memória de alguém que, mesmo sem direito à escola na infância, aprendeu a ler aos 14 anos e se tornou um símbolo global da luta pela floresta e pelos povos da Amazônia.
Ao comentar sobre os debates do encontro internacional, Raimundão destacou a importância prática de eventos como o GCF, sobretudo no momento em que a Reserva Extrativista Chico Mendes enfrenta forte pressão de desmatamento. Ele disse esperar que pelo menos parte dos participantes saiam dali transformados. “Se pelo menos 50% dos que estão aqui forem conscientizados, já é um grande ganho. E que isso se traduza em estrutura, recursos, em educação para mudar a cabeça do nosso povo. Precisamos sair dessa lógica de que pra viver e ganhar dinheiro é preciso destruir o que Deus deixou pra todos nós”, declarou com firmeza.
A visita integra o circuito de imersão oferecido pelo governo acreano aos participantes do evento. Um dos pontos altos da programação foi a Trilha Chico Mendes, que a pela Reserva Extrativista que leva seu nome — com 931 mil hectares protegidos e habitada por centenas de famílias que vivem do extrativismo sustentável.
Desenvolvimento com floresta em pé
Outro destaque da agenda foi a visita à Cooperacre, referência na organização da produção extrativista no Acre. Com atuação em cadeias produtivas como a castanha-do-Brasil, frutas nativas e o látex, a cooperativa reúne cerca de 25 associações e beneficia diretamente mais de 2 mil famílias.
A presidente do Instituto de Mudanças Climáticas do Acre (IMC), Jacksilande Araújo, destacou a relevância da visita dos participantes da GCF Task Force à Reserva Extrativista Chico Mendes: “Tivemos a oportunidade de mostrar a história de Chico Mendes diretamente em Xapuri, um lugar emblemático do nosso estado. Além disso, tivemos o privilégio de contar com a participação do Raimundão, que viveu aquele período de luta e hoje mantém viva essa memória”, relatou.
A presidente contou que os visitantes puderam conhecer a casa onde Chico viveu, observar seus pertences e compreender como era sua rotina. “Também fomos à Cooperacre, onde eles viram de perto a produção que sai da nossa terra, o trabalho das comunidades extrativistas, principalmente das mulheres. Produtos como óleo de murumuru, castanha, borracha… tudo isso é resultado do manejo sustentável que o Acre promove com apoio do REDD+ Jurisdicional, através do Programa REM”, reforçou.
Ao falar sobre o impacto do evento para a população local, a presidente afirmou que o interesse dos visitantes internacionais pode gerar um efeito de conscientização dentro do próprio estado. “Quando vemos tanta gente do mundo inteiro curiosa com nossa história e com o que fazemos aqui, isso pode despertar também o nosso próprio povo. A educação é essencial nesse processo, e mostrar ao mundo como vivemos e preservamos pode servir de exemplo. Precisamos que a população acreana reconheça o valor da nossa floresta e da nossa história. O mundo está de olho no Acre, e isso exige ainda mais compromisso com a sustentabilidade e a transparência”, afirmou.
A Cooperacre é peça fundamental na estratégia estadual de REDD+ jurisdicional — mecanismo que reconhece e recompensa financeiramente os esforços de conservação ambiental, com base em resultados medidos na redução do desmatamento.
Troca de experiências e soluções climáticas
A GCF Task Force é uma coalizão global formada por 43 governos subnacionais de países como Brasil, Estados Unidos, Peru, Indonésia, México, Colômbia e República Democrática do Congo. Seu foco é o fortalecimento de políticas públicas que conciliam redução de emissões de gases de efeito estufa e desenvolvimento sustentável, especialmente em regiões com grandes áreas de floresta tropical.
A edição 2025 do encontro é sediada pelo Acre, estado pioneiro na implementação de programas de serviços ambientais, REDD+ e gestão territorial participativa.
Sobre a GCF Task Force
A Força-Tarefa dos Governadores para o Clima e Florestas (GCF Task Force) foi criada em 2008 e é voltada ao apoio técnico e político a governos subnacionais que buscam implementar mecanismos de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal). O objetivo é alinhar políticas públicas de uso da terra com a conservação ambiental e o bem-estar das populações locais.
Realizar o encontro no Acre é reconhecer a importância das ações locais no combate global às mudanças climáticas, e uma oportunidade de mostrar ao mundo o resultado de políticas públicas bem-sucedidas em um dos estados mais biodiversos do planeta.